Tuesday, June 30, 2009

momentos eternos





Gosto de me deitar
sem sono
para ficar
a lembrar-me
das coisas boas
deitada
dentro da cama
às escuras
de olhos fechados
abraçada a mim.

Adília Lopes_ Obra

Monday, June 29, 2009

...destinos...

não respiro.
suspendo.
ouço sons
não os entendo
parecem lamacentos
como lamentos que não pretendo.
olho
levantando o olhar,
sim sou capaz.
ainda.
quero ver o que ainda não sei
uma luz brilhante e aconchegante
mas apenas giram no céu nuvens de chumbo.
a inércia
paralisa me o corpo mas principamente a alma.
sinto me tão cansada.
quero movimentar me mas não tenho forças
fraquejo eu
e a vontade.
só os dias passam
a dor permanece imóvel ao meu redor.
parecem tantos caminhos
sem mapa mas com muita inquietude
incerteza.
a cabeça não para.solta de palavras e ideias.
tristes.ou menos alegres.
o porto do agora
não é destino mas sim passagem.

Eis a nossa sina:esquecer para ter passado

mentir para ter destino.

Mia Couto

Saturday, June 27, 2009

Waiting on an angel
one to carry me home
hope you come to see me soon
cause I don't want to go alone
I don't want to go alone.
[Ben Harper]
I'd like to disappear.

Tuesday, June 23, 2009

jogo do meme

Ofereceram me este jogo do meme no aArtmus e eu aceitei!
[As regras iniciais eram escolher um(a) cantor(a) ou um grupo; para cada pergunta, dar como resposta um título ou um trecho de suas músicas.Com estas regras o jogo já foi cumprido aqui no
Velas!]


Eu gostei da ideia de inverter as regras do jogo e vai daí vou joga lo com textos em prosa, poesia ou citações dos meus autores preferidos, e desta forma vou responder às perguntas partilhando quem sou.


És homem ou mulher?


As mulheres voam
como os anjos:
Com as suas asas feitas de cristal de rocha da memória
Disponíveis para voar soltas...
Primeiro lentamente: uma por uma
Depois, iguais aos pássaros
…fundas.

...
Maria Teresa Horta- Anjos mulheres


Descreve-te…


A parte invisível do visível.
De resto conhecer mais o quê?
O Manifesto do Invisível.
Gonçalo M. Tavares-Investigações. Novalis



O que as pessoas acham de ti?


Todos julgam segundo a aparência, ninguém segundo a essência.
Friedrich Schiller



Como descreves teu último relacionamento?
Que o amor existe, que vale a pena se doar às amizades a às pessoas, que a vida é bela sim, e que eu sempre dei o melhor de mim... e que valeu a pena.
Mário Quintana


Descreve o momento actual de tua relação:

Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso
Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio.
...
Mia Couto- Raiz de Orvalho e Outros Poemas

Onde querias estar agora?


Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres

quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca viram
os céus mediterrânicos
Mário Cesariny-Poemas de Londres

O que pensas a respeito do amor?


Rifa-se um coração quase novo. Um coração idealista. Um coração à moda antiga. Um covarde, moleque que insiste em pregar peças no seu usuário. Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos e cultivar ilusões. Um pouco inconsequente, que nunca desiste de acreditar nas pessoas. Um leviano e precipitado coração que acha que Tim Maia estava certo quando escreveu: «Não quero dinheiro, eu quero amor sincero, é isso que eu espero!» Um idealista!!! Um verdadeiro sonhador... Rifa-se um coração que nunca aprende, que não endurece e mantém sempre a esperança de ser feliz, sendo simples e natural. Um coração insensato que comanda o racional sendo louco o suficiente para se apaixonar. Um furioso que vive procurando relações e emoções verdadeiras. Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros. Esse coração que erra, que briga e que se expõe. Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões. Sai do sério e, às vezes, revê suas posições arrependidas de palavras e gestos. Esse coração tantas vezes incompreendido, tantas vezes provocado, tantas vezes impulsivo. Rifa-se este desequilibrado emocional que abre sorrisos tão largos que quase dá para engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto. Um coração para ser alugado ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes. Um órgão abestado, indicado apenas para quem quer viver intensamente e contra-indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, defendendo-se das emoções. Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco seu usuário. Um coração que quando parar de bater ouvirá o seu usuário dizer pra São Pedro na hora da prestação de contas: «O Senhor pode conferir, eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento. Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que insiste em não endurecer e se recusa a envelhecer». Rifa-se um coração ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo. Um órgão mais fiel ao seu usuário. Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga. Um coração que não seja tão inconsequente. Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado. Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda não foi adoptado, provavelmente, por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo. Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree. Um simples coração humano. Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado. Um modelo cheio de defeitos que, mesmo estando fora do mercado, faz questão de não se modernizar, mas vez por outra, constrange o corpo que o domina. Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e a ter a petulância de se aventurar como poeta.
Clarice Lispector



Qual o lema da tua vida?

Devemos andar sempre bêbados.
É a única solução.
Para não sentires o tremendo fardo do tempo que te pesa sobre os ombros e te verga ao encontro da terra, deves embriagar-te sem cessar.
Com vinho, com poesia, ou com a virtude.
Escolhe tu, mas embriaga-te.
E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas de uma vala, na solidão morna do teu quarto, tu acordares com a embriaguez atenuada, pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que se passou, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala; pergunta-lhes que horas são:
São horas de te embriagares.
Para não seres como os escravos martirizados do tempo, embriaga-te, embriaga-te sem descanso.
Com vinho, com poesia. Ou com a virtude.
Charles Baudelaire



O que pedias como único desejo?


Vontade de mergulhar sem oxigénio no oceano
e entrar no colo das ondas.
Andreia- A menina dos olhos de água

Sunday, June 21, 2009

a minha alma


não sei o que faço!
o que faço para viver com a minha alma
oculta que vive comigo,
que se deita ao meu lado,
e que cruamente lança verdades dentro de mim.
posso viver assim?
uma alma de espinhos
muito compridos que estoiram as minhas bolhas de ilusão,
como se a alma estivesse gravada na palma de minha mão.
agarrada...sugando...
a minha alma faz me desprender as coisas que eu quero esquecer...
eu, louca desvairada, mexo e remexo na intimidades desta alma,
de mil cores,de mil facetas, mil tristezas.
nesta alma,
as faces são muitas,
com outras vozes, outros amores, outros desamores, outros prazeres e com muitas feridas.
nem todas cicatrizadas.
era bom ter um camarim, cheio de pós e purpurinas, para disfarçar esta alma.
pois é..não sei como encará la,
tão dividida,
como deitá la fora de vez da minha vida?
sinto como se constantemente lhe estivesse a acenar um adeus
imaginário,
real,
não sei!
a minha alma não sabe quando partir,
não me deixar respirar,
e
divide em mim o meu coração...

Sunday, June 14, 2009

de regresso


olho-te a ti Lisboa,
um sol translúcido, brilhando.
Lisboa
dos ricos e dos pobres,
dos ignorantes e
dos doutores em coisa nenhuma.
a Lisboa da vida e da morte
jogada numa infinita peça
com um elenco invejável de epopeias monumentais.
a Lisboa do Camões
ou a Lisboa do Pessoa.
olho-te a ti Lisboa,
identidade própria que inebria o
menos sensível dos corações.
serás sempre Lisboa,
terra dos sonhos
e das ilusões.
olho-te a ti Lisboa, amiga...

Wednesday, June 10, 2009

Lagos III_Sophia de Mello Breyner Andresen

Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco de cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: mas os figos não são pretos mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada.Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.[texto escrito por Sophia que retrata a forma como ensinou a sua empregada como ir a pé da casa de férias em Lagos até ao mercado na mesma cidade. enunciou-lhe o caminho, mostrando lhe o que veria a cada passo.belissimo este texto...digo eu!]

Monday, June 08, 2009

Lagos I e II_Sophia de Mello Breyner Andresen

Lagos I
"Un jour a Lagos ouverte sur la mer comme l’autre Lagos"
Senghor

Em Lagos
Virada para o mar como a outra
Lagos
Muitas vezes penso em Leopoldo Sedar Senghor:
A precisa limpidez de Lagos onde a limpeza
É uma arte poética e uma forma de honestidade
Acorda em mim a nostalgia de um projecto
Racional limpo e poético
Os ditadores – é sabido – não olham para os mapas
Suas excursões desmesuradas fundam-se em confusões
O seu ditado vai deixando jovens corpos mortos pelos caminhos
Jovens corpos mortos ao longo das extensões
Na precisa claridade de Lagos é-me mais difícil
Aceitar o confuso o disforme a ocultação
Na nitidez de Lagos onde o visível
Tem o recorte simples e claro de um projecto
O meu amor da geometria e do concreto
Rejeita o balofo oco da degradação
Na luz de Lagos matinal e aberta
Na praça quadrada tão concisa e grega
Na brancura da cal tão veemente e directa
O meu país se invoca e se projecta.


Lagos II

I
Lagos onde reenventei o mundo num verão ido
Lagos onde encontrei
Uma nova forma do visível sem memória
Clara como a cal concreta como a cal
Lagos onde aprendi a viver rente
Ao instante mais nítido e recente
Lagos que digo como passado agora
Como verão ido absurdamente ausente
Quase estranho a mim e nunca tido

II
Foi um país que eu encontrei de frente
Desde sempre esperado e prometido
O puro dom de ter nascido
E o sol reinava em Lagos transparente
III

Lagos lição de lucidez e liso
Onde estar vivo se torna mais completo
- Como pode meu ser ser distraído
De sua luz de prumo e de projecto?

IV
Ou poderemos Abril ter perdido
O dia inicial inteiro e limpo
Que habitou nosso tempo mais concreto?
Será que vamos paralelamente
Relembrar e chorar como um verão ido
O país linear e transparente
E sua luz de prumo e de projecto.

Saturday, June 06, 2009