Friday, June 18, 2010

José Saramago[16 de Novembro de 1922 _18 de Junho de 2010]


Poema à boca fechada

Não direi:

Que o silêncio me sufoca e amordaça.

Calado estou, calado ficarei,

Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,

Se represam, cisterna de águas mortas,

Ácidas mágoas em limos transformadas,

Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:

Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,

Palavras que não digam quanto sei

Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,

Nem só animais bóiam, mortos, medos,

Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam

No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,

Crispadamente recolhido e mudo,

Que quem se cala quando me calei

Não poderá morrer sem dizer tudo.

a mim resta me dizer:

Obrigada!

6 comments:

Maria said...

E a mim também...

Beijo,

Mar Arável said...

Até sempre camarada

Valéria Gomes said...

Menos um ser, mais uma estrela.

Grande beijo!!!

Paula Baltazar Martins said...

O mundo fica mais pobre, mas morreu o homem, mas ficarão para sempre as suas palavras...

Anonymous said...

uma enorme perda, sem dúvida, para Portugal e não só.

Até sempre

nat. said...

Obrigada!