Em 1998, eu ainda morava em Coimbra. Comprava pão na padaria que ficava ao fundo da rua, comprava o jornal num quiosque, debaixo de uma arcada, onde o dono estava sempre a falar de motas. Agora, recordo-me desses anos como uma espécie de série antiga, o Dallas, a Dinastia, com a diferença grande de o Bobby, o J.R. ou a Sue Ellen serem pessoas que existem, que têm a sua própria memória. Num ano, a vida pode mudar radicalmente. Em dez anos, a vida pode transformar-se noutra vida. No entanto, as árvores crescem indiferentes, continuam no Jardim da Sereia, a respirar sobre a Praça da República. Entretanto, a minha sobrinha, criança que nasceu numa noite de sexta-feira, tem 22 anos e termina o curso em Coimbra, numa cidade que, de certeza, é bastante diferente daquela em que vivi durante dois anos. Entretanto, o meu filho, nascido na Maternidade Daniel de Matos em 1997, tem crescido, cruzando-se com as minhas memórias, mas sem as reconhecer.
O meu filho mais pequeno, nascido em Cascais em 2004, quer sempre ir comigo buscar o mano. Primeiro, existem duzentos quilómetros em que vamos sozinhos. Temos conversas longas sobre gormitis ou skates de dedos. Pode também pedir-me para pôr um CD de música assustadora, que é como ele chama ao heavy metal. Entre os seus preferidos, encontram-se os primeiros discos de Obituary. Depois, chega o meu filho mais velho, com a sua mochila do Benfica, a roupa passada e dobrada, e existem duzentos quilómetros em que vou calado a ouvi-los e a espantar-me com as expressões que utilizam.
Eu, que fui filho, sou agora pai. Imagino todo o mistério que eles vêem quando olham para mim e carrego aquilo que eles não sabem, que é melhor que não saibam. E, muitas vezes, quando lhes conto alguma história minha, explico-lhes que aconteceu antes de terem nascido. Eles olham-me desde a sua idade e não estranham que existisse mundo antes de terem nascido. Já eu, que tenho esta idade, estranho quase tudo.
O mais velho joga ténis, faz vela no Mondego e faz parte da única equipa portuguesa de lacrosse. Eu também nunca tinha ouvido falar nesse desporto americano que se joga com um bastão que tem uma rede na ponta. Quero ouvir, quero saber todas as regras para acreditar que também jogo quando ele joga. Misturado com isto, por baixo disto, eu e a mãe dele estivemos na sala em que nasceu, o seu rosto pela primeira vez. Vimos a enfermeira afastar-se com ele para limpá-lo, não desviámos o olhar por um único instante e, depois, vimo-la voltar e pousá-lo nos braços da mãe. Agora, ouve Green Day.
Muito explicado, o mais pequeno conta episódios dos pequenos da escola dele, que têm quatro anos; dos bebés, que têm três anos; e dos grandes, que têm seis anos, respeitinho. Também ele tem as suas actividades extra-curriculares: o judo, a natação. E, às vezes, diz palavras em inglês, que aprende uma a uma, semanalmente: tree, beautiful, cat. Conta também detalhes das explicações do educador, a quem chama “tio”. Eu e a mãe dele chegámos ao hospital antes das seis da manhã. Nasceu doze horas depois. Ao lado dela, eu não sabia o que fazer. Ela, com dores, a fechar os olhos, a respirar, não podia fazer nada. Nasceu muito sério. Agora, ouve e canta Xutos e Pontapés. Por insistência dele, fomos todos, mano incluído, assistir ao concerto do Estádio do Restelo. Dormiu no meu colo durante a maior parte do tempo.
Sou eu que os junto, é essa a minha tarefa. O mais velho defende o mais pequeno. Perde de propósito em jogos de playstation. O mais pequeno tem uma cegueira imensa pelo mais velho. Nada do que ele faça pode estar errado. Eu sou a testemunha disto. Sou o pai. Respondo às perguntas que me fazem, dou autorização para irem lá ao fundo. O pai deixa, diz um deles.
Sou também eu que os separo. Depois de dois dias inteiros juntos, a dormirem na mesma cama, a acordarem ao mesmo tempo, sou eu que guardo a roupa suja na mochila do Benfica. Sou eu que carrego os presentes no carro. Depois de filmes no cinema em que eles decoram cada pormenor, depois do pequeno se divertir a lutar contra a minha sombra, depois de comermos crepes com chantilly, depois de eu reparar que o mais velho está quase da minha altura, chega a hora, fim da tarde de domingo, e peço-lhes para darem um abraço. Eu sou o pai a olhá-los, mas, por dentro, em segredo, sou também um menino de cinco ou doze anos que gostava de ser irmão deles.
eu adoro este texto que me faz cair as lagrimas...sempre e sempre que o leio.
na sorte que é ter um irmão.eu sinto que ao ter o MEU irmão nunca estarei sozinha, não sei se me percebem?
sei que terei alguém que gostará sempre de mim. ok, pensam vocês, também é irmão dela se ele não gostar quem é que gosta?!
este amor, continua a ser o único em que acredito que há almoços de borla, porque existe alguem, o meu irmão, que me quer ver bem se possivel melhor do que ele, e porque o contrario é também verdadeiro.
não trocava o meu irmão por nada nem por ninguém.
pelo meu irmão morria.agora.já.
e porque há coisas que devem ser ditas...em que não devem haver dúvidas...aqui confesso que a pessoa que mais amo no mundo é o meu irmão.